domingo, 9 de setembro de 2007

"No túmulo de Christian Rosenkreutz"

"No túmulo de Christian Rosenkreutz"

Por: Fernando Pessoa

Quando, despertos deste sono, a vida
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morre...
De Além o Abismo, Sprito Seu Lha veda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, for levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verdo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e do Bem profundo;
Não só aqui, mas já de nósm despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos,
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?
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Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosaecruz conhece e cala.

Fernando Pessoa [ele mesmo]

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